01/07/2010
Editores:
Walter J. Gomes – wjgomes.dcir@epm.br
Domingo M. Braile – domingo@braile.com.brr
Editores Associados:
Luciano Albuquerque – alb.23@terra.com.
Orlando Petrucci - petrucci@unicamp.br
Prezados amigos
Este é o sétimo número do Boletim Científico da SBCCV, com a série completando agora o quarto ano de existência. A seleção de artigos tem abrangido tópicos de interesse clínico e cirúrgico, com importância para todos os profissionais da área; cirurgiões, clínicos, intensivistas, hemodinamicistas, anestesistas, perfusionistas, entre outros. Os artigos são apresentados em forma de resumo comentado e se houver interesse do leitor no artigo completo em formato PDF, este pode ser solicitado no endereço eletrônico abaixo. Ressaltamos que comentários, sugestões e críticas são bem-vindas e devem ser enviadas diretamente aos editores.
Para pedido do artigo na íntegra – revista@sbccv.org.br
Estudo PARTNER mostra melhora de sobrevida com valva aórtica implantada percutânea.
Leon MB et al. Transcatheter Aortic-Valve Implantation for Aortic Stenosis in Patients Who Cannot Undergo Surgery. N Engl J Med 2010; 363(17):1597-607.
Muitos pacientes com estenose aórtica grave são hoje rejeitados para a substituição cirúrgica da válvula aórtica devido ao alto risco operatório associado às co-morbidades. Recentemente, o implante trans-cateter de válvula aórtica tem sido sugerido como um tratamento menos invasivo para pacientes de alto risco com estenose aórtica. Pacientes com estenose aórtica grave, considerados inoperáveis pelos cirurgiões, foram randomizados para receber terapia padrão (incluindo a valvoplastia aórtica por balão) ou implante percutâneo trans-femoral de uma válvula de pericárdio bovino balão-expansível. O desfecho primário foi a taxa de morte por qualquer causa. Foram alocados 358 pacientes com estenose aórtica, em 21 centros (17 nos Estados Unidos). Em 1 ano, a taxa de morte por qualquer causa foi de 31% no grupo percutâneo e de 51% com a terapia padrão (p<0,001). A taxa do desfecho composto, morte por qualquer causa ou internação de repetição, foi de 43% vs 72% (RRR 46% - p<0,001). Entre os sobreviventes de um ano, a taxa de pacientes em classe funcional III ou IV foi menor nos pacientes submetidos ao implante percutâneo do que entre aqueles tratados conservadoramente (25% vs 58% - p<0,001). Em 30 dias, o implante trans-cateter foi associado a uma maior incidência de acidentes vasculares cerebrais graves (5% vs 1% - p=0,06), e a complicações vasculares maiores (16% vs 1% - p<0,001). Também em 1 ano, a taxa de vazamento peri-valvar foi de 12%. No ano seguinte, não houve evidências ecocardiográficas de deterioração do funcionamento da prótese biológica. Os autores concluem que, em pacientes com estenose aórtica grave, considerados não adequados para a cirurgia, o implante percutâneo trans-femoral de prótese aórtica reduziu significativamente as taxas de morte por qualquer causa, recorrência de internações e a classe funcional, apesar de demonstrar maior incidência de AVC e complicações vasculares maiores, em comparação com a terapia padrão.
Estudo ART – resultados de um ano comparando enxerto único e duplo de artéria torácica interna em cirurgia de revascularização miocárdica.
Taggart DP, Altman DG, Gray AM, et al. Randomized trial to compare bilateral vs. single internal mammary coronary artery bypass grafting: 1-year results of the Arterial Revascularisation Trial (ART). Eur Heart J. 2010;31(20):2470-81.
Embora os dados observacionais sugiram que o uso de enxertos de artéria torácica interna bilateral (ATIB) durante a cirurgia de revascularização do miocárdio fornece resultados superiores ao de uma artéria torácica interna única (ATI), alguns questionamentos quanto à segurança têm impedido o uso mais amplo do enxerto bilateral. Em andamento, o estudo ART avalia a sobrevida e a taxa de eventos cardiovasculares em 10 anos de pacientes candidatos a cirurgia 3 de revascularização miocárdica, randomizados a receberem uma ou duas artérias torácicas, com a análise preliminar dos resultados de 1 ano de 3.102 pacientes em 28 hospitais de sete países (1554 com ATI e 1548 com ATIB). O número médio de enxertos foi de 3 para ambos os grupos, assim como a porcentagem de cirurgias sem CEC (40% vs 42%). Mortalidade em 30 dias foi idêntica em ambos os grupos (1,2%), se mantendo semelhante em 1 ano (2,3% vs 2,5%, respectivamente). As taxas de acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio e revascularização subsequente foram C 2% nos dois grupos, e a necessidade de reconstrução de esterno foi de 0,6 e 1,9%, respectivamente (p=NS). Os dados preliminares do ART demonstram resultados clínicos semelhantes para uso de artéria torácica uni ou bilateral, embora os enxertos bilaterais tenham apresentado um pequeno aumento absoluto na necessidade de reconstrução do esterno. Os resultados sugerem que o uso de enxertos bilaterais é viável em uma base rotineira. Os resultados de 10 anos da ART irão confirmar se o uso bilateral da artéria torácica na cirurgia de revascularização miocárdica resulta em menor mortalidade e necessidade de intervenções de repetição.
Trinta anos de seguimento define o benefício de sobrevida para pacientes com enxerto bilateral de artéria torácica interna.
Kurlansky PA, et al. Thirty-year follow-up defines survival benefit for second internal mammary artery in propensity-matched groups. Ann Thorac Surg 2010;90:101-8.
Embora o valor do enxerto de artéria torácica interna esquerda (ATIE) esteja bem estabelecido, o benefício de um segundo enxerto de ATI é ainda controverso. Apesar dos relatos de melhora da sobrevida com ATI bilateral (ATIB), nos EUA a ATIB é empregada em apenas 4% das operações de coronárias atualmente. A influência do segundo enxerto de ATI na mortalidade hospitalar e tardia foi retrospectivamente avaliada em 4.584 operações consecutivas de CRM (2.369 ATIB e 2.215 ATIE), realizadas entre 1972-1994. O impacto da segunda ATMI foi avaliado por análise multivariada de fatores associados à mortalidade hospitalar e tardia e por escore de propensão de risco, que compara pacientes com características de base semelhantes para receber um segundo enxerto de ATI. A mortalidade hospitalar foi de 4,5% para ATIE vs 2,6% para os pacientes ATIB (p = 0,001). Quando estratificado por escore de propensão, o segundo enxerto não modificou a mortalidade hospitalar. Na análise multivariada, enxerto simples de ATI foi significativamente associado com a mortalidade hospitalar tardia. As curvas de sobrevida tardia (média de 11,5 anos) demonstraram melhora na sobrevida em longo prazo para pacientes com ATIB vs ATIE. Similarmente, nos grupos de correspondência, a sobrevivência favoreceu pacientes com ATIB (p = 0,001). Os autores concluíram que a artéria torácica, quando utilizada bilateralmente, oferece uma vantagem de sobrevivência em longo prazo sobre 4 ATIE isolada, em grupos comparáveis de pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica.
Importância da dor refratária e hipertensão na dissecção aguda da aorta tipo B.
Trimarchi S, et al. Importance of Refractory Pain and Hypertension in Acute Type B Aortic Dissection Insights From the International Registry of Acute Aortic Dissection (IRAD). Circulation. 2010;122:1283- 1289.
Em pacientes com dissecção aguda da aorta (DAA) tipo B, a presença de dor recorrente ou hipertensão refratária, são indicativas de tratamento invasivo. Dados do Registro Internacional de Dissecção Aguda de Aorta (IRAD) foram acessados para investigar o impacto da dor persistente e / ou hipertensão refratária sobre os resultados da DAA tipo B. Trezentos e sessenta e cinco pacientes portadores de DAA tipo B, matriculados no IRAD entre 1996-2004 foram classificados de acordo com perfil de risco em 2 grupos: pacientes com dor persistente ou hipertensão refratária (grupo I, n = 69), e pacientes sem complicações clínicas na apresentação (grupo II, n = 296). Pacientes com complicações clássicas foram excluídos desta análise. A mortalidade hospitalar global foi de 6,5%, e foi maior no grupo I, comparada ao grupo II (17,4% vs 4,0% p=0,0003). A mortalidade hospitalar após tratamento clínico foi maior no grupo I, comparada ao grupo II (35,6% vs 1,5% p=0,0003), não ocorrendo diferença de mortalidade entre os grupos quando submetidos à intervenção cirúrgica ou endovascular. Análise multivariada confirmou que dor persistente e / ou hipertensão refratária elevaram em 3 vezes a mortalidade intra-hospitalar. Os autores concluíram que a dor contínua e hipertensão refratária foram sinais clínicos associados a aumento da mortalidade hospitalar. Estas observações sugerem que a intervenção na aorta pode estar justificada nos pacientes de risco intermediário, identificados com estas variáveis clínicas.
Manejo das cardiopatias congênitas no adulto. Sociedade Européia de Cardiologia publica suas diretrizes.
Baumgartner H, et al. ESC Guidelines for the Management of Grown-up Congenital Heart Disease (new version 2010): The Task Force on the Management of Grown-up Congenital Heart Disease of the European Society of Cardiology. Eur Heart J 2010;Aug 27:[Epub ahead of print].
A Sociedade Européia de Cardiologia publicou suas diretrizes para o manejo das cardiopatias congênitas no adulto, em conjunto com a Association for European Paediatric Cardiology (AEPC), estabelecendo 10 principais pontos-chave para o embasamento das condutas do cirurgião cardiovascular: 1. A ressonância magnética cardíaca é uma técnica importante para a avaliação de adultos com doença cardíaca congênita. É especialmente importante na 5 quantificação do tamanho e função do ventrículo direito, na quantificação da insuficiência pulmonar, na avaliação das estruturas extracardíacas, incluindo artérias pulmonares, veias e aorta e na detecção da fibrose miocárdica. 2. O tratamento percutâneo é o método preferido para o fechamento da maioria dos defeitos do septo atrial e é o indicado se há sinais de sobrecarga ventricular direita. Fechamento do defeito do septo atrial deve ser evitado em pacientes com fisiologia de Eisenmenger (inversão do shunt E-D). 3. Os pacientes com defeitos do septo ventricular devem ser monitorados para complicações em longo prazo, incluindo endocardite, desenvolvimento de estenose subaórtica e insuficiência aórtica. 4. Fechamento percutâneo do canal arterial é apropriado quando há sobrecarga ventricular esquerda. Fechamento do canal arterial não está indicado em casos sem repercussão hemodinâmica ou com fisiologia de Eisenmenger. 5. Pacientes submetidos a correção de coarctação da aorta no passado encontram-se sob risco de várias complicações em longo prazo, incluindo hipertensão arterial, coarctação recorrente, aneurismas da aorta ascendente ou em linha de sutura da correção anterior, doença arterial coronariana prematura e aneurismas arteriais do polígono de Willis. 6. Indicações para intervenção da coarctação da aorta em adultos incluem diferença de pressão M 20 mm Hg entre as extremidades superiores e inferiores , resposta patológica da pressão arterial ao exercício e hipertrofia ventricular esquerda. 7. Todos os pacientes com tetralogia de Fallot deve ser incluídos em um programa especializado de adultos com cardiopatia congênita. Substituição da valva pulmonar deve ser realizada em pacientes sintomáticos, com insuficiência pulmonar grave (Classe IC) e em pacientes assintomáticos com declínio da capacidade de exercício, dilatação progressiva do ventrículo direito, insuficiência tricúspide progressiva, obstrução da via de saída do ventrículo direito com pressão sistólica do ventrículo direito maior que 80 mm Hg ou na presença de arritmias atriais ou ventriculares sustentadas (Classe IIaC). 8. Todos os pacientes com fisiologia de ventrículo único, após Fontan, devem ser acompanhados em um centro congênito, pois são frequentes as complicações em longo prazo, incluindo insuficiência cardíaca progressiva, cianose, desenvolvimento de arritmias atriais, insuficiência venosa crônica e enteropatia disabsortiva de proteínas. 9. Pacientes submetidos a cirurgia de Rastelli, correção de atresia pulmonar, tronco arterial comum ou operação de Ross que portem um conduto colocado entre o ventrículo direito e a artéria pulmonar são candidatos a implante percutâneo de valva pulmonar, se desenvolverem insuficiência ou estenose grave do conduto. 10. O emprego de bosentan está indicado em pacientes com síndrome de Eisenmenger e classe funcional III. Pacientes com Eisenmenger exigem 6 meticuloso acompanhamento e prevenção de situações de alto risco, como gravidez, anemia, desidratação, doenças infecciosas imunopreveníveis, tabagismo, marcapasso ou desfibrilador intracavitário, exercício extenuante, exposição térmica aguda, como em banheiras quentes ou saunas .
Estudo TRACS. Uso restritivo de sangue em cirurgia cardíaca é seguro.
Hajjar LA, et al. Transfusion requirements after cardiac surgery: the TRACS randomized controlled trial. JAMA. 2010 Oct 13;304(14):1559-67.
A necessidade de transfusões de hemácias para correção de anemia perioperatório é comum depois de cirurgias cardíacas. Entretanto, dados mostrando evidências de uma prática ótima nestas transfusões não é bem conhecida. O objetivo deste estudo foi definir se uma estratégia restritiva para transfusão de hemácias é tão segura quanto uma estratégia liberal para transfusão de hemácias no peri-operatório de cirurgia cardíaca eletiva. O estudo TRACS (The Transfusion Requirements after Cardiac Surgery) é um estudo prospectivo, randomizado, de não inferioridade clínica, controlado realizado entre fevereiro de 2009 e fevereiro de 2010 no InCor, Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Pacientes adultos consecutivos (n=502) submetidos à cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea foram incluídos e a análise foi por intenção de tratar a anemia. Os pacientes foram aleatoriamente designados para uma estratégia liberal de transfusão de sangue (para manter um hematócrito M 30%) ou para uma estratégia restritiva (hematócritoM24%). A análise final considerou todas as causas de morte após 30 dias e morbidade grave (choque cardiogênico, síndrome da angústia respiratória aguda, lesão renal aguda, necessitando ou não diálise) que ocorreram durante a internação. A margem de não inferioridade foi prédefinida de 8% (ou seja, 8% de aumento clinicamente importante mínimo na ocorrência do desfecho composto). As concentrações de hemoglobina média foram de 10,5 g/dL no grupo de estratégia liberal e 9,1 g / dL no grupo estratégia restritivas (P <0,001). Um total de 198 de 253 pacientes (78%) no grupo de estratégia liberal e 118 de 249 (47%) no grupo de estratégia restritiva recebeu transfusão de sangue (P <0,001). Ocorrência do desfecho primário foi semelhante entre os grupos (10% vs 11%, P = 0,85). Independente da estratégia de transfusão, o número de unidades de transfusão de glóbulos vermelhos foi um fator de risco independente para complicações clínicas ou morte em 30 dias (taxa de risco para cada unidade adicional transfundidos de 1,2 [95% CI, 1,1-1,4], P = 0,002 ). Na conclusão, entre os pacientes submetidos à cirurgia cardíaca, o uso de uma estratégia restritiva de transfusão peri-operatória comparado com uma estratégia mais liberal resultou em taxas semelhantes quanto ao desfecho mortalidade geral após 30 dias e morbidades graves.
Trabalho estressante aumenta risco de eventos isquêmicos cardíacos.
Allesøe K, et al. Psychosocial work environment and risk of ischaemic heart disease in women: the Danish Nurse Cohort Study. Occup Environ Med. 2010 May;67(5):318-22.
O objetivo deste estudo foi investigar o efeito da pressão no trabalho e a influência do trabalho no desenvolvimento de doença isquêmica do coração em mulheres. O efeito da pressão no trabalho e a influência do trabalho foram estudados por meio da avaliação de incidência de doença isquêmica do coração em mulheres no Banco de Dados Dinamarquês de Enfermeiras de forma prospectiva durante 15 anos. Um total de 12.116 participantes, com idades entre 45-64 anos, foram examinados em 1993 através de um questionário e foram seguidas depois por meio do Cadastro Nacional de altas hospitalares até o início de 2008. Pressão do trabalho, a influência do trabalho, características ocupacionais, fatores demográficos, fatores de risco biológicos e comportamentais para as doenças isquêmicas do coração foram coletados no início do estudo. Durante o acompanhamento, 580 participantes foram hospitalizadas com doença isquêmica do coração. No modelo totalmente ajustado, as enfermeiras que relataram a pressão no trabalho ser demasiadamente elevada tiveram um risco 1,4 vezes maior de incidência de doença isquêmica do coração (95% CI 1,04- 1,81) comparadas com as enfermeiras que relataram a pressão de trabalho como sendo adequada. A tendência para um efeito dose-resposta foi observada. A análise estratificada por idade mostrou que esse efeito foi significativo apenas entre as enfermeiras mais jovens (< 51 anos no início do estudo). Não foi encontrada associação entre a influência do trabalho e doença isquêmica do coração. Após 15 anos de seguimento houve 580 casos de doença isquêmica do coração, incluindo 369 casos de angina, 138 infartos e 73 "outros" eventos de doença isquêmica do coração. Na conclusão, este estudo encontrou que a pressão no trabalho quando muito alta é um fator de risco para desenvolvimento de doença isquêmica do coração em jovens trabalhadoras do sexo feminino (<51 anos de idade). Os resultados devem ser levados em conta no planejamento da prevenção primária de cardiopatia isquêmica.