01/02/2009
Editores:
Walter J. Gomes – wjgomes.dcir@epm.br
Domingo M. Braile – domingo@braile.com.br
Prezados amigos
Este é o segundo número deste ano do Boletim Científico da SBCCV, abrangendo tópicos de interesse clínico e cirúrgico.
Os artigos são apresentados em forma de resumo comentado e se houver interesse do leitor no artigo completo em formato PDF, este pode ser solicitado no endereço eletrônico revista@sbccv.org.br
Ressaltamos que será bem-vindo o envio de artigos de interesse por parte da comunidade de cirurgiões cardiovasculares. Também comentários, sugestões e críticas são estimulados e devem ser enviados diretamente aos editores.
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Estudo SYNTAX publicado. Resultados cirúrgicos foram superiores aos dos stents farmacológicos no tratamento da doença arterial coronária complexa e permanece a terapia padrão.
Serruys PW et al. Percutaneous Coronary Intervention versus Coronary-Artery Bypass
Grafting for Severe Coronary Artery Disease. N Eng J Med 2009; 360:961-972.
A publicação do estudo SYNTAX concluiu que a cirurgia de revascularização miocárdica continua a ser o padrão de tratamento para pacientes com doença coronária triarterial ou lesão de tronco de artéria coronária esquerda, uma vez que o tratamento cirúrgico, quando comparado com a intervenção percutânea com uso de stents Taxus resultou em menores taxas de desfechos compostos de eventos adversos maiores cardíacos ou vasculares cerebrais em 1 ano. A análise dos
dados foi publicada anteriormente na Revista Brasileira de Cirurgia Cardiovascular 2008;23(4):III-V (www.rbccv.org.br).
Na publicação atual, com dados mais completos, chama a atenção a disparidade de tratamento medicamentoso pós-operatório entre os dois grupos. O grupo cirúrgico recebeu significativamente menos medicação baseada em evidência para prevenção secundária da doença arterial coronária, como estatinas, inibidores da enzima de conversão da angiotensina, betabloqueadores e antiplaquetários (ácido acetilsalicílico e tienopiridínicos - ticlopidina ou clopidogrel) e pode ter tido impacto em desfechos primários e secundários.
Cirurgia precoce pode melhorar os resultados clínicos em pacientes assintomáticos com regurgitação mitral grave.
Kang DH, et al. Comparison of Early Surgery Versus Conventional Treatment in Asymptomatic Severe Mitral Regurgitation. Circulation. 2009;119:797-804.
O melhor momento da intervenção cirúrgica em pacientes assintomáticos com regurgitação mitral grave ainda é indefinido e este estudo objetivou comparar em longo prazo os resultados da intervenção cirúrgica precoce com o tratamento clínico convencional.
De 1996 a 2005, 447 pacientes assintomáticos (253 homens, idade 50 ± 15 anos) com insuficiência mitral degenerativa grave e função ventricular esquerda preservada foram avaliados prospectivamente. Cirurgia precoce foi realizada em 161 pacientes (grupo operado) e o tratamento convencional foi empregado em 286 pacientes (grupo tratamento convencional). A plastia mitral foi utilizada em 94% dos pacientes operados. Não houve diferenças significativas entre os 2 grupos em
termos de idade, sexo, EuroSCORE ou fração de ejeção. Durante uma mediana de seguimento de 1.988 dias, houve 2 reoperações e nenhum óbito ou mortalidade operatória no grupo operado, comparado com 12 mortes cardíacas e 22 internações por insuficiência cardíaca congestiva, no grupo tratamento convencional. A taxa de mortalidade atuarial estimada em 7 anos foi de 0% no
grupo operado e 5 ± 2% no grupo tratamento convencional (P=0,008) e a taxa de sobrevida livre de eventos foi significativamente maior nos operados do que no grupo tratamento convencional (99 ± 1% versus 85 ± 4%, P=0,007). Os autores concluem que, comparado com o tratamento conservador, a estratégia de cirurgia precoce foi associada com melhores resultados em longo prazo através da diminuição da taxa de eventos cardíacos e mortalidade por insuficiência cardíaca
congestiva. Portanto, a cirurgia precoce pode melhorar os resultados clínicos em pacientes assintomáticos com grave regurgitação mitral e função sistólica do ventrículo esquerdo preservada, e com uma alta probabilidade de realização de reparo da valva mitral.
Efeitos comparativos em longo-prazo da cirurgia de revascularização miocárdica com e sem circulação extracorpórea.
Angelini GD, et al. Effects of on- and off-pump coronary artery surgery on graft patency, survival, and health-related quality of life: Long-term follow-up of 2 randomized controlled trials. J Thorac Cardiovasc Surg 2009;137:295-303.
A cirurgia de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea (CEC) reduz a morbidade pós-operatória e usa menos recursos do que a intervenção cirúrgica convencional com circulação extracorpórea. No entanto, apenas 15% a 20% das operações de revascularização do miocárdio são realizadas sem CEC.
Uma razão para isto pode ser a preocupação com a perviedade em longo prazo dos enxertos realizados com esta técnica. O objetivo foi comparar os resultados de longo prazo em pacientes randomizados para cirurgia de revascularização do miocárdio com e sem CEC.
Pacientes de 2 ensaios randomizados comparando revascularização do miocárdio com e sem CEC foram acompanhados por 6 a 8 anos após a intervenção cirúrgica para avaliar perviedade do enxerto (estudada por angiotomografia computadorizada), eventos cardíacos adversos maiores e qualidade de vida.
A probabilidade de oclusão de enxerto não foi diferente entre revascularização do miocárdio sem e com CEC (10,6% vs 11,0%; P>0.99). A oclusão do enxerto ocorreu mais na anastomose distal do que na proximal. Não houve diferença entre os grupos no risco de morte, de eventos cardíacos adversos maiores ou qualidade de vida.
Em longo prazo os resultados com revascularização do miocárdio sem CEC são semelhantes àquelas com CEC, quando ambas as operações são realizadas por cirurgiões experientes.
Resultados clínicos de longo-prazo após trombose de stent coronário.
van Werkum JW, et al. Long-Term Clinical Outcome After a First Angiographically Confirmed Coronary Stent Thrombosis: An Analysis of 431 Cases. Circulation. 2009;119:828-834;
Existem poucos dados sobre o desfecho clínico de longo prazo após trombose de stent (TS) angiograficamente confirmada (definitiva). Neste estudo foram incluídos 431 pacientes consecutivos do Registro de Trombose de Stent da Holanda, com diagnóstico de TS definitiva. O desfecho primário foi o composto de morte cardíaca e recorrência de TS definitiva. Desfechos secundários foram mortalidade por todas as causas, morte cardíaca, recorrência definitiva de TS, recorrência
definitiva e provável de TS, qualquer infarto do miocárdio e qualquer revascularização da artéria alvo. O desfecho primário ocorreu em 111 pacientes, após um seguimento mediano de 27,1 meses. A taxa de evento cumulativa em 30 dias e 1, 2 e 3 anos foram 18,0%, 23,6%, 25,2% e 27,9%, respectivamente. As taxas de incidência cumulativa de TS definitiva recorrente, TS definitiva ou
provável recorrente, qualquer infarto do miocárdio, e qualquer revascularização de artéria alvo foram 18,8%, 20,1%, 21,3% e 32,0%, respectivamente. Preditores independentes para o desfecho primário foram diabetes mellitus, o comprimento total do stent, calcificação severa, lesões B2-C, fluxo TIMI grau <3 após a intervenção coronária percutânea e fração de ejeção do ventrículo esquerdo <45%. O implante de stents coronários adicionais durante os primeiros eventos de
TS foi também associado com resultados desfavoráveis. Os autores concluem que, em longo prazo, o resultado clínico após TS definitivo é desfavorável, com elevada taxa de mortalidade e de recorrência. Diabetes mellitus, fração de ejeção ventricular esquerda <45%, comprimento total longo do stent, lesões coronarianas complexas, fluxo TIMI <3 após intervenção coronária percutânea e implante de stents coronários adicionais na TS foram associados com este resultado
desfavorável.
Correção de fatores de risco pode diminuir lesão renal aguda após cirurgia cardíaca.
Karkouti K et al. Acute Kidney Injury After Cardiac Surgery: Focus on Modifiable Risk
Factors. Circulation. 2009;119:495-502.
Lesão renal aguda (LRA) após cirurgia cardíaca é um importante fator de risco para mortalidade. Com a falta de terapias eficazes, a modificação dos fatores de risco pode oferecer meios de prevenir essa complicação. O objetivo do presente estudo foi identificar e determinar a importância prognóstica de tais fatores de risco.
Dados de uma coorte multicêntrica de 3.500 pacientes adultos submetidosà cirurgia cardíaca em 7 hospitais durante o ano de 2004 foram analisados (utilizando modelos multivariados de regressão logística) para determinar as relações entre 3 limiares independentes de LRA (redução do ritmo de filtração glomerular > 25%,> 50% e > 75%) com as taxas de mortalidade, bem como para identificar fatores de risco modificáveis para LRA. Os 3 limiares de LRA ocorreram em 24% (n = 829), 7% (n = 228), e 3% (n = 119) da coorte, respectivamente.
Todas os 3 limiares foram independentemente associados com aumento de 4 vezes na chance de morte e pode ser prevista com várias variáveis perioperatórias, incluindo utilização pré-operatória de balão intra-aórtico, cirurgia de urgência, e tempo prolongado de circulação extracorpórea. Em particular, 3 variáveis potencialmente modificáveis foram fortemente associados com LRA: anemia, transfusões perioperatórias de glóbulos vermelhos e reexploração cirúrgica.
Como conclusão, LRA após cirurgia cardíaca é altamente prevalente e é de importância prognóstica. Terapias visando atenuar anemia pré-operatória, transfusão perioperatória de glóbulos vermelhos e evitar reexploração cirúrgica podem oferecer proteção contra esta complicação.
Angiotomografia coronária reduz a freqüência de achados normais em cinecoronariografia invasiva.
Chow BJ et al. Diagnostic accuracy and impact of computed tomographic coronary
angiography on utilization of invasive coronary angiography. Circ Cardiovasc Imaging 2009; 2:16-23.
Este estudo procurou avaliar a utilização da angiotomografia coronária (ATC) na prática clínica e o seu impacto nos recursos da saúde, comparando com a angiografia coronária invasiva (ACI) convencional. Após a implementação do programa de ATC, a freqüência de ACI com achados normais diminuiu de 31,5% (1.114 de 3.538 pacientes) para 26,8% (932 de 3479) (P <0,001). A ATC teve excelente sensibilidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo. Devido ao viés de referência, a especificidade foi baixa. Os autores concluem que a aplicação clínica da ATC parece ter impacto positivo na ACI, reduzindo a freqüência de estudos normais de ACI. As características operacionais da ATC suportam o seu papel potencial como uma ferramenta útil para afastar a doença arterial coronariana obstrutiva.
Inibidor de bomba de prótons administrado junto com clopidogrel aumenta risco de reinfarto.
Juurlink DN, et al. A population-based study of the drug interaction between proton pump inhibitors and clopidogrel. CMAJ. 2009;Epub ahead of print.
A maioria dos inibidores da bomba de prótons inibe a conversão do clopidogrel em seu metabólito ativo e o significado clínico desta interação medicamentosa é desconhecido.
Este estudo caso-controle foi realizado em pacientes que tinham iniciado o clopidogrel na alta hospitalar após tratamento de infarto agudo do miocárdio. Entre 13.636 pacientes tomando clopidogrel após o infarto agudo do miocárdio, foram identificados 734 casos readmitidos com infarto do miocárdio e 2.057 controles.
Após extenso ajuste multivariável, a utilização de inibidores da bomba de prótons foi associada com um aumento do risco de reinfarto. Na interpretação, entre os pacientes que receberam clopidogrel após infarto agudo do miocárdio, a terapia concomitante com inibidores da bomba de prótons, com exceção do pantoprazol, foi associada a uma perda dos efeitos benéficos do clopidogrel e um aumento do risco de reinfarto.
A atividade do citocromo P450 2C19 influencia dramaticamente o efeito do clopidogrel sobre as plaquetas. Drogas que inibem esta enzima, do quais os inibidores da bomba de prótons são uma classe, pode reduzir o efeito antiagregante do clopidogrel após o infarto do miocárdio. Um crescente número de prescrições de inibidores da bomba de prótons pode afetar adversamente os resultados de prevenção secundária do infarto do miocárdio.
Estudo OAT: dados de qualidade de vida e custos são publicados.
Mark DB, Pan W, Clapp-Channing NE, et al. Quality of life after late invasive therapy for
occluded arteries. N Engl J Med 2009; 360:774-783.
O estudo OAT avaliou se a abertura tardia da artéria coronária relacionada ao infarto poderia melhorar os resultados clínicos, quando comparado ao tratamento clínico.
Foram comparados a intervenção coronária percutânea (ICP) com o tratamento clínico em pacientes de alto risco em condição estável, que tinham a artéria coronária relacionada ao infarto com oclusão total 3 a 28 dias após o infarto do miocárdio. Em 951 pacientes (44% dos pacientes elegíveis), qualidade de vida foi avaliada por meio de uma bateria de testes que incluíram Duke Activity Status
Index (DASI) (que mede função física em uma escala de 0 a 58) e Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Mental Health Inventory 5 (que mede bemestar psicológico). As entrevistas foram realizadas no início e em 4, 12 e 24 meses. Custos de tratamento foram avaliados e 2 anos de custo-efetividade foi estimado.
Em 4 meses, o grupo tratamento clínico, em comparação com o grupo ICP, teve uma diminuição clinicamente marginal de 3,4 pontos no escore DASI (P=0,007).
Em 1 e 2 anos, as diferenças foram menores. Não houve diferença significativa no bem-estar psicológico entre os grupos. Nos Estados Unidos, os custos acumulados durante 2 anos foi de aproximadamente 7.000 dólares mais alto no grupo da angioplastia (P <0,001) e a sobrevida ajustada por qualidade foi ligeiramente maior no grupo tratamento clínico.
Os autores concluem que a ICP foi associada com uma vantagem marginal em função cardíaca física em 4 meses, não havendo diferença após. Em 2 anos, o tratamento clínico permaneceu significativamente menos custoso que a ICP de rotina e foi associado com melhor sobrevida ajustada por qualidade.