01/05/2008
Editores:
Walter J. Gomes – wjgomes.dcir@epm.br
Domingo M. Braile – domingo@braile.com.br
Prezados amigos
O Boletim Científico da SBCCV tem por finalidade manter a comunidade de cirurgiões cardíacos e cardiologistas informada sobre os melhores artigos publicados nas mais importantes revistas médicas do mundo, divulgando as publicações que impactam e mudam a prática clínica da cirurgia e da cardiologia.
Os artigos são apresentados em forma de resumo comentado e se houver interesse do leitor no artigo completo em formato PDF, este pode ser solicitado no endereço eletrônico brandau@braile.com.br
Ressaltamos que será bem-vindo o envio de artigos de interesse por parte da comunidade de cirurgiões cardiovasculares. Também comentários, sugestões e críticas são estimulados e devem ser enviados diretamente aos editores.
Para pedido do artigo na íntegra - brandau@braile.com.br
Estudo BART demonstra inequivocamente que aprotinina aumenta mortalidade em cirurgia cardíaca.
Fergusson DA E et al, for the BART Investigators. A comparison of aprotinin and lysine analogues in high-risk cardiac surgery. N Engl J Med. 2008;358(22):2319-31.
Agentes antifibrinolíticos são comumente usados durante cirurgia cardíaca para minimizar sangramentos e reduzir a exposição a produtos derivados de sangue. O estudo BART procurou determinar se a aprotinina era superior aos análogos da lisina, o ácido tranexâmico e o ácido aminocapróico, em diminuir sangramento pós-operatório e outras conseqüências clinicamente importantes. Neste estudo multicêntrico foram randomizados 2.331 pacientes de alto risco para cirurgia cardíaca para um dos três grupos: 781 receberam aprotinina, 770 receberam ácido tranexâmico, e 780 receberam ácido aminocapróico. O desfecho primário foi sangramento pós-operatório. Desfechos secundários incluíram a morte por qualquer causa em 30 dias.
O estudo foi encerrado prematuramente por causa de uma maior taxa de mortalidade nos pacientes que receberam aprotinina. Um total de 74 pacientes (9,5%) no grupo aprotinina teve sangramento cirúrgico aumentado, em comparação com 93 (12,1%) no grupo do ácido tranexâmico e 94 (12,1%) no grupo aminocapróico. Aos 30 dias, a taxa de morte por qualquer causa foi 6,0% no grupo aprotinina, em comparação com 3,9% no grupo do ácido tranexâmico (risco relativo de 1,55; IC 95%, 0,99 a 2,42) e 4,0% no grupo ácido aminocapróico (risco relativo de 1,52; IC 95%, 0,98 a 2,36). O risco relativo de morte no grupo aprotinina, em comparação com os outros dois grupos foi 1,53. Os autores concluem que, apesar da possibilidade de uma modesta redução do risco de sangramento operatório, a forte e consistente tendência de aumento da mortalidade associada com a aprotinina, em comparação com os análogos da lisina, deve excluir a sua utilização em cirurgia cardíaca de alto risco.
Classificação dos tipos de lesões em insuficiência aórtica para padronizar o reparo cirúrgico.
Lansac E et al. A lesional classification to standardize surgical management of aortic insufficiency towards valve repair. Eur J Cardiothorac Surg 2008;33: :872-878.
Este estudo objetivou padronizar o reparo cirúrgico da insuficiência aórtica (IAo), propondo uma classificação baseada na análise ecocardiográfica e operatória das lesões valvares. Esta classificação foi baseada na análise retrospectiva dos mecanismos de IAo em 781 pacientes adultos operados eletivamente entre 1997 e 2003. A IAo foi isolada em 406 pacientes (52%), associada com aneurisma supra-coronária (97 casos - 12,4%), ou com aneurisma da raiz da aorta (278 pacientes - 35,6%). Etiologias das lesões valvares ou aorta foram respectivamente reumática, distróficas e ateromatosa em 17%, 73,6% e 9,4% dos casos. Esta classificação lesional foi baseada na análise dos mecanismos de IAo crônica definindo tipo I com jato central (354 casos - 45,3%) e do tipo II com jato excêntrico (54,7%). Tipo Ia é definido como dilatação isolada da junção sino-tubular (47 aneurismas supra-coronários), e tipo Ib como dilatação da junção sino-tubular e ânulo aórtico (233 aneurismas da raiz, 74 IAo isoladas). O tipo II associa dilatação da junção sino-tubular e anular: IIa prolapso de cúspide (aneurismas); IIb retração de cúspide (IAo reumática), IIc rotura de cúspide (endocardite infecciosa, traumática).
Como conclusão, esta classificação lesional visa padronizar o reparo cirúrgico da valva aórtica: No tipo Ia, com enxerto supra-coronário; no tipo Ib, por anuloplastia subvalvar aórtica associada à substituição da raiz da aorta com técnica de remodelação ou anuloplastia dupla sub - e supravalvar anuloplastia (IAo isolada). Para a IAo crônica do tipo II, anuloplastia aórtica associada à técnica de remodelação ou anuloplastia dupla sub - e supravalvar anuloplastia, combinada com o tratamento da lesão da cúspide (re-suspensão de cúspide, reconstrução de cúspide com pericárdio autólogo).
Impacto do uso da artéria radial como segundo enxerto na cirurgia de revascularização miocárdica em diabéticos.
Schwann TA et al. Does radial use as a second arterial conduit for coronary artery bypass grafting improve long-term outcomes in diabetics? Eur J Cardiothorac Surg 2008;33:914-923.
As evidências de benefício na sobrevida com múltiplos enxertos arteriais na cirurgia de revascularização miocárdica (RM) na população geral é incontestável. Entretanto, os resultados dos estudos comparando 2 enxertos de artéria torácica interna (ATI) versus 1 enxerto em diabéticos têm revelado dados conflitantes quanto à sobrevida. A utilização do enxerto de artéria radial versus ATI como segundo conduto arterial ainda não foi estudada.
Foram estudados 1.516 pacientes diabéticos consecutivos (64 ± 10 anos), 540 (36%) com RM isolada com 1 enxerto de ATI, 626 ATI/ radial (41%) e 890 ATI / veia (59%) dos pacientes.
Sobrevida não-ajustada foi significativamente melhor para (1) ATI/radial (94,3%, 86,7% e 70,4% em 1, 5 e 10 anos, respectivamente) versus ATI/veia (91,8%, 74,5% e 53,8%, p<0,0001) e (2) para insulino-independentes (94,2%, 82,8% e 65,5%) versus insulino-dependentes (90,4%, 73,1% e 49,2%, p<0,0001). Entretanto, nos pacientes acompanhados por 11 anos, a análise de Kaplan-Meier mostrou sobrevida idêntica ATI/radial e ATI/veia para todos os pacientes diabéticos combinados (p = 0,53). Como conclusão, o uso de enxerto de artéria radial como segundo conduto, em comparação ao enxerto venosos, não conferiu uma vantagem de sobrevida em diabéticos.
Pacientes submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica se beneficiam da utilização intensiva de estatinas.
Shah SJ, et al. Intensive lipid-lowering with atorvastatin for secondary prevention in patients after coronary artery bypass surgery. J Am Coll Cardol 2008;51:1938-1943.
Este estudo analisou os dados do TNT (Treating to New Targets) trial para determinar se os pacientes submetidos à cirurgia de revascularização miocárdica (RM) obtiveram benefício clínico com a redução intensiva do LDL-colesterol, já que o desenvolvimento e a progressão da aterosclerose é acelerado em enxertos venosos. Um total de 10.001 pacientes com doença coronária, incluindo 4.654 com RM prévia, foram distribuídos aleatoriamente para atorvastatina 80 ou 10 mg / dia, e foram seguidos por uma mediana de 4,9 anos. O desfecho final primário foi a ocorrência de um primeiro evento cardiovascular maior (morte cardíaca, infarto do miocárdio não-fatal, parada cardíaca ressuscitada ou acidente vascular cerebral).
O primeiro evento cardiovascular maior ocorreu em 11,4% dos pacientes com RM prévia e em 8,5% das pessoas sem RM prévia (p <0,001). A taxa de primeiro evento foi de 9,7% no grupo de 80 mg e 13,0% no de 10 mg (p=0,0004). Necessidade de nova revascularização durante o seguimento, quer RM ou intervenção coronária percutânea, foi realizado em 11,3% dos pacientes com RM no grupo de 80 mg e 15,9% no grupo de 10 mg (P<0,0001). Como conclusão, o uso intensivo de atorvastatina 80 mg / dia nos pacientes com RM prévia reduz eventos cardiovasculares maiores em 27% e a necessidade de nova revascularização coronária em 30%, comparado com atorvastatina 10 mg / dia.
Isolamento atrial total melhora os resultados dos procedimentos de fibrilação atrial.
Voeller RK et al. Isolating the entire posterior left atrium improves surgical outcomes after the Cox maze procedure. J Thorac Cardiovasc Surg. 2008;135(4):870-7.
A importância de cada linha de ablação na cirurgia de Cox (labirinto) de tratamento da fibrilação atrial continua ainda indefinida. Este estudo avaliou as diferenças nos resultados do procedimento cirúrgico realizado com uma única linha de isolamento conectando as veias pulmonares esquerda e direita versus 2 linhas de lesão (chamada “the box lesion”), isolando todo o átrio esquerdo posterior. Os dados foram coletados prospectivamente em 137 pacientes que foram submetidos ao procedimento de Cox. As veias pulmonares eram conectadas com uma única linha de lesão com ablação com radiofreqüência bipolar (n = 56), enquanto a técnica “box lesion” foi realizada em 81 pacientes. O tempo médio de acompanhamento foi de 11,8±9,6 meses. A incidência de taquiarritmias atriais precoces foram significativamente maiores no grupo com lesão única, em comparação com o grupo “box lesion” (71% vs 37%, P<,001). Livres de recorrência de fibrilação atrial foi significativamente mais elevado no grupo “box lesion” em 1 mês (87% vs 69%, P=0,015) e 3 meses (96% vs 85%, P=0,028) meses. O uso de antiarrítmicos foi significativamente menor no grupo “box lesion” em 3 (35% vs 58%, P=0,018) e 6 meses (15% vs 44%, P=0,002).
Como conclusão, o isolamento de toda a porção posterior do átrio esquerdo, através da criação de uma “box lesion” ao invés de uma única lesão de ligação entre as veias pulmonares mostrou uma significativa menor incidência de taquiarritmias atriais precoces, menor recidiva de fibrilação atrial em 1 e 3 meses, e menor uso de antiarrítmicos aos 3 e 6 meses.
Clopidogrel associado a aumento de sangramento gastrointestinal.
Lapuerta P et al. New data show high frequency of medical claims for gastrointestinal events by patients on antiplatelet therapy. International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research 2008 International Meeting; May 7, 2008; Toronto, ON.
Uma revisão dos pedidos médicos dos planos de saúde nos EUA sugere que o clopidogrel está freqüentemente associado a maiores riscos de desenvolvimento de úlcera ou hemorragia gastrointestinal. Os investigadores desse trabalho relatam que 6,2% dos pacientes tratados com clopidogrel tiveram úlcera ou hemorragia gastrointestinal, as mulheres com maior probabilidade do que os homens em desenvolver estes efeitos adversos da medicação antiplaquetária. O estudo retrospectivo monitorou aproximadamente 368.000 pacientes no primeiro ano após a sua receita de clopidogrel. Na revisão, 72% tinham 60 anos de idade ou mais. Está se investigando se a associação com o omeprazol poderia reduzir os efeitos colaterais gastrointestinais e ao mesmo tempo preservar o benefício antitrombótico do clopidogrel. Entretanto, estudos têm mostrado que o omeprazol reduz o efeito antiplaquetário do clopidogrel.
Divulgação dos conflitos de interesse são inconsistentes nas revistas médicas: o caso dos stents coronários.
Weinfurt KP et al. Consistency of Financial Interest Disclosures in the Biomedical Literature: The Case of Coronary Stents. PLoS ONE 2008; 3:e2128. Available at:
http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0002128.
Este trabalho de investigadores da Duke University nos EUA avaliou se os interesses financeiros dos autores de trabalhos científicos foram revelados consistentemente em artigos publicados sobre stents coronários em 2006.
Neste estudo foram pesquisados no PubMed artigos publicados em 2006 que forneceram evidências ou orientação quanto ao uso de stents de artéria coronária, assim como informações sobre os interesses financeiros dos autores. Houve 746 artigos, de 2985 autores, e 135 periódicos na base de dados. Oitenta e três por cento dos artigos não continham a divulgação de conflito de interesses de nenhum autor. Apenas 6% dos autores tinham um artigo com uma declaração de interesse. Na comparação entre artigos do mesmo autor, os tipos de discordância foram os seguintes: não divulgação de declarações vs declarações de nenhum interesse (64%); divulgações específicas vs declarações de nenhum interesse (34%); e divulgações específicas vs não divulgação de declarações (2%). Entre os 75 autores que revelaram ter pelo menos 1 relacionamento com uma organização, houve somente 2 casos (3%) em que esta organização foi revelada em cada artigo que o autor escreveu.
Os autores concluem que nas raras ocasiões que os interesses financeiros foram divulgados, eles não foram divulgados de forma coerente, o que sugere que há problemas com transparência em uma área da literatura que tem importantes implicações para a assistência ao paciente. Os resultados sugerem que as inconsistências são devidas tanto às revistas quanto ao comportamento de alguns autores.
Propaganda na TV direta ao consumidor do Cypher é criticada em Editorial do New England Journal of Medicine.
Boden WE and Diamond GA. DTCA for PTCA--Crossing the line in consumer health education? N Engl J Med 2008: 358:2197-2200.
Um novo tipo de propaganda na televisão, direto ao consumidor, do stent Cypher da Cordis é o tema de uma perspectiva crítica publicada na revista New England Journal of Medicine. O anúncio, veiculado no Dia de Ação de Graças, durante o jogo de futebol americano entre o Dallas Cowboys e o New York Jets, teve 60 segundos de duração e promoveu a utilização do stent Cypher para o publico leigo.
No artigo, o Dr William Boden, pesquisador senior do estudo COURAGE e seu co-autor, Dr. George Diamond, do Cedars Sinai Medical Center, Los Angeles, Califórnia, questionam a validade do anúncio, promovendo a informação para milhões de pessoas que estão mal preparadas para fazer juízos acerca dos muitos aspectos clinicamente relevantes, questões sutis e complexas que mesmo especialistas continuam a debater. Completam dizendo que, devido a limitação de 60 segundos do anúncio, não têm tempo de incluir todas as informações sobre efeitos colaterais e riscos. O anuncio também sugere que o stent oferece mais do que apenas alívio dos sintomas, não obstante o fato de que os recentes ensaios clínicos demonstraram que a angioplastia não é superior à terapêutica médica na redução da mortalidade ou infarto do miocárdio.
Os autores concluem apelado ao FDA para realizar uma revisão crítica desse tipo de campanha publicitária e avaliar se ele atende aos requisitos regulamentares básicos para a prescrição de drogas, sendo que a campanha deve ser encarada como um dispositivo potencialmente enganoso de publicidade e uma ousada experiência preliminar em psicologia intervencionista.
Os beta-bloqueadores devem ser banidos do tratamento da hipertensão arterial?
Schroeder JS et al. Beta-Blockers in Hypertension: Should We Discard Them? Disponível em: http://www.medscape.com/viewarticle/573023_3.
Mais de um quarto da população adulta do mundo, totalizando quase um bilhão de pessoas, tem hipertensão arterial e os beta-bloqueadores continuam a ser um dos medicamentos mais receitados para o tratamento dessa condição. Diretrizes nacionais e internacionais têm promovido os beta-bloqueadores como tendo eficácia similar aos tiazídicos, bloqueadores de canais de cálcio, inibidores da enzima de conversão da angiotensina e bloqueadores dos receptores da angiotensina. No entanto, nos últimos anos, foram levantadas várias objeções sobre o uso de beta-bloqueadores como terapêutica de primeira linha para a hipertensão. Um grande número de estudos e meta-análises tem sugerido que os pacientes com hipertensão arterial e medicados com beta-bloqueadores podem estar em risco aumentado de acidente vascular cerebral e sem qualquer benefício de redução de mortalidade cardiovascular e de todas as causas.
Apesar de três décadas de utilização de beta-bloqueadores para o tratamento da hipertensão, nenhum estudo mostrou que a monoterapia com beta-bloqueadores reduz a morbidade ou mortalidade em pacientes hipertensos, mesmo quando comparado com placebo. Em alguns estudos, a monoterapia com beta-bloqueadores não só foi ineficaz, como também quando adicionado a outros anti-hipertensivos, reduziu os benefícios da terapêutica. Meta-análises têm mostrado que, apesar da redução da pressão arterial com beta-bloqueadores, esta classe de drogas foram ineficazes na prevenção da doença arterial coronária, eventos cardiovasculares e redução de mortalidade. Os resultados também mostraram que a terapêutica com tiazídicos foi superior ao beta-bloqueadores na redução de acidentes vasculares cerebrais fatais e não-fatais, eventos cardiovasculares e mortalidade de todas as causas. Esses dados são relativos aos beta-bloqueadores mais antigos em uso, os mais novos, como os beta-seletivos com ação vasodilatadora poderiam ser mais eficazes. No entanto, não existem dados disponíveis de resultados de longo prazo. Apesar da aparente falta de ação do tratamento da hipertensão arterial, na insuficiência cardíaca os estudos têm demonstrado consistentemente uma redução substancial da taxa de mortalidade, melhora os sintomas e bem-estar do paciente.